Nesta passagem Jesus claramente coloca a verdadeira missão do cristão de estar a serviço do outro: “Porque tive fome, e me destes de comer; tive sede, e me destes de beber; era forasteiro, e me acolhestes; estava nu, e me vestistes; adoeci, e me visitastes; estava na prisão e fostes ver-me”( Mt 25,35-36), está bem clara aqui o chamado do mestre a conversão e ao amor ao próximo.
Mas esse chamado não é algo feito apenas para satisfazer a nossa consciência, quando fizemos alguma coisa e achamos que o pouco que fizemos já o bastante para o outro. Ficou evidente para aqueles que querem se tornar discípulos de Jesus e seguir o exemplo do mestre, não dá para ser morno, é preciso ser quente(Ap 3,15), é preciso estar cheio do Espírito Santo que é sopro divino, vento e movimento, sair e fazer ação em defesa de um mundo mais justo e fraterno, onde o individualismo não terá lugar, onde a vida fraterna e comunitária será o cerne do Reino de Deus iniciado aqui, na Terra. Muitas pessoas acham que dando pão e ajudando uma vez ou outra os pobres, está cumprindo seu compromisso de cristão. É muito mais do que isso, vai além do assistencialismo e do mero reformismo, é preciso estar sintonizado com a causa do evangelho da liberdade, é preciso ir contra toda e qualquer forma de opressão, lutar por uma sociedade onde todos possam viver em harmonia, onde desapareça o preconceito, a injustiça e todos sejam iguais e tenham os mesmos direitos. O cristão que aceitou verdadeiramente a Jesus, que passou pela verdadeira conversão, não aquele que como o fariseu ora em línguas, passa por êxtase emocional e prega por horas a ‘palavra de Deus’ que se acha salvo sua e envia para o inferno a todos os outros que são iguais a ele ou não frequentam a mesma igreja. O cristão transformado e convertido aceita com fé e amor o discipulado de serviço ao outro, olhando para causa dos muitos filhos de Deus. Ele se torna o sal da terra e a luz do mundo (Mt 5, 13-14). Ele não aceita a opressão e a divisão, está sempre disposto a partilhar o amor e a comunhão, não se deixa levar pelas modas do individualismo e da segregação, está preocupado em fazer a mensagem evangélica do amor ser levada a todas as pessoas, sem distinção de raça, cor, gênero ou opção sexual, porque todos somos filhos do mesmo Deus de amor. A fé precisa estar a serviço do Reino e do evangelho libertador, assim como o amor dos cristãos precisa estar com os olhos abertos sobre a realidade histórica que vivemos, fermentando a mensagem liberadora do Cristo. A verdadeira ascese espiritual vem do encontro forte com o Deus da história que se encontra no próximo, no necessitado pobre, no amigo que procura apoio, no rosto dos marginalizados e excluídos pelo moralismo religioso. A fé não acontece totalmente se não tiver compromisso com o próximo, e for animada pela mensagem do reino de Deus que já começou neste mundo. O Reino de Deus é paz e justiça e alegria no Espirito Santo (Rm14,17) e leva-nos a uma libertação, somos levados a agir, pela justiça, pelo amor, pela conversão e a renovação para uma sociedade mais justa e fraterna.
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A igreja Episcopal Anglicana do Brasil estará sagrando no próximo sábado a primeira mulher epíscopa da América Latina, a reverenda Marinez R. Santos Bassottocom; Com certeza um momento histórico para a Igreja no sul das Américas. Evidente que nem todos são a favor, existem muitos bispo dentro da Comunhão Anglicana que são totalmente contra, muitos até acham que esse progressismo todo é contra os preceitos evangélicos.
Não é de se estranhar, pois viemos de uma tradição judaica totalmente patriarcal, onde em muitas divisões do judaísmo a mulher é tratada como nada, ou como acessório do homem, era frequente tanto na cultura judaica, como na cultura cristã a mulher ser dada (o termo certo seria vendida) em casamento para união de reinos e ou famílias. Durante muitos séculos a mulher esteve atrás, nos bastidores, oculta, vítima de tradições patriarcas e profundamente misóginas. Ocorre que há um grande erro não só teológico como semântico, na tradução da bíblia hebraica, no relato da criação (Gn 2,22) Deus cria uma companheira para o homem no qual o termo hebraico “costela” ou seja, “tsella” não seria costela e sim “ao lado” esse seria o sentido exegético do termo, algumas traduções tiveram erros na sua transcrição por copistas, e isso fortaleceu ainda mais o machismo religioso. Do lado lembrando sempre o lugar da mulher que é ao lado, nem a frente e nem atrás do homem, mas ao seu lado. Esta exegese conflita com o pensamento teológico antigo que coloca o termo “costela” de forma pejorativa, como algo inferior, dando a entender que a mulher é retirada do homem, então é inferior. Sabemos que Deus não faz distinções entre seus filhos, que ele é Pai e Mãe amoroso e sempre justo. Em diversas culturas antigas o sacerdócio feminino esteve presente, e a mulher era evidencia, Pitonisas, Vestais de Ísis, de Inana, Sibilas na Grécia antiga no Egito e em muitas outras culturas. A Etiópia citada no livro dos Atos dos apóstolos era governada por uma rainha. “Dispôs Deus trazer da terra dos etíopes um oficial da rainha deste país (At 8,26-38). Segundo antigo costume, até hoje, este país é governado por uma mulher. Foi este oficial, primícias dos fiéis do universo, o primeiro dentre os gentios a se tornar por meio de Filipe, graças a uma manifestação divina, participante dos mistérios do Verbo divino. Conta a tradição que, regressando ao país natal, foi o primeiro a anunciar o conhecimento do Deus.”* O Evangelho de Lucas cita nominalmente as sete mulheres apóstolas de Jesus (Lc 8: 1-3), estas mulheres participaram ativamente da vida e do ministério de Jesus. Sem contar que o sacerdócio feminino foi amplamente praticado no início do cristianismo. São Paulo e antigos documentos da Igreja referem-se a diaconisas. Eram mulheres de conduta irrepreensível chamadas a participar dos serviços da Igreja. Recebiam o seu ministério pela imposição das mãos do Bispo. Em I Tim 3,11 o contexto mostra que São Paulo não fala das mulheres em geral, mas, da categoria das diaconisas, que vêm a propósito na exortação dirigida aos diáconos, há quem prefira dizer que se trata aí das esposas dos diáconos – o que parece pouco provável, pois em tal caso o Apóstolo teria escrito: “As suas esposas…” O mais antigo relato sobre o sacerdócio feminino é o de Plínio o Jovem, governador da Bitínia (Ásia Menor), que, tendo recebido a ordem de prender os cristãos em 112 D.C. escrevia ao imperador Trajano ter submetido à tortura duas cristãs honradas com o título de ministras (ministrae). De qualquer a forma a Igreja age com justiça e equidade quando permite que mulheres dignas subam ao alta depois de séculos de opressão e vozes caladas pelo machismo clerical, lembrando que foram elas as mulheres miróforas, as primeiras testemunhas da ressurreição do Cristo. *Patrística - História Eclesiástica -Por Eusébio de Cesaréia O conceito de Deus e de religião tem se tornado cada vez mais subjetivo, cada um julga que conhece a Deus da sua forma. A forma na qual estamos vivendo o homem moderno, inserido nos usos e costumes da sociedade atual, ditam as modas e a forma privatizada que as pessoas estão utilizando para o “encontro com Deus.” Essa relação moderna que está se estabelecendo com o divino, cada vez mais particular e personalizada, onde é Deus que tem que se flexibilizar conosco, dando a falsa ideia de que religião e espiritualidade são a mesma coisa. Erroneamente as pessoas pensam que não precisam mais ir a Igreja, porque podem orar em casa, segunda ideia moderna não precisa mais me deslocar porque Deus está dentro de mim. Efeitos do estilo e sistema individualista que vivemos, somos obrigados a trabalhar e temos menos tempo para o sagrado e a vida comunitária, tão necessária não só espiritualmente como psicologicamente.
O que ocorre é a dessacralização de Deus, tudo pode ser Deus, o contato com Deus está em tudo, eu não preciso mais orar, meditar e fazer boas obras e muito menos assistir ao Culto ou a Missa. Erroneamente algumas pessoas confundem certas correntes espiritualista com religião, com a vida em Deus. O teólogo Lactâneo (séc IV) e Agostinho de Hipona descreveram o sentido da palavra religião, religar o homem a Deus. Não obstante estamos vendo esse novo homem e mulher se distanciando de Deus, procurando um Deus mais simples, menos exigente, prático para a vida rápida e sem tempo dos dias atuais. Daí o esvaziamento da igreja e a criação de novas formas de culto, nem sempre calcadas na verdade cristã. Daí as várias doenças psíquicas, como transtorno bipolar e depressão, tão conhecidas de nossa atual sociedade, esvaziada de Deus e ‘cheia de espiritualidade’ totalmente sem sentido que no final em nada acrescentam ao ser. Não estou aqui falando de alteridade, ou seja, respeito a diversidade e ao diferente, mas sim a essa lambanças de pseudo-espiritualidade, correntes filosóficas e religiosas que mais confundem e dogmatizam do que esclarecem e . O mundo de hoje, é muito diferente daquele em que nossos pais viviam, a resposta a algumas perguntas que no passado não eram acessíveis, agora estão na ponta do dedo, em smartphones e tabletes. Toda essa evolução não trouxe respostas a algumas inquietações de hoje, não respondeu a perguntas que a religião respondeu a muito tempo, qual o sentido da vida, e o coração do homem continua inquieto. A busca de equilíbrio para alma continua atormentando o ser humano. Já na época de Santo Agostinho haviam dúvidas em sua alma, conforme descreve em Confissões: “ Todavia esse homem, particulazinha da criação, deseja louvar-vos. Vós o incitais a que se deleite nos vossos louvores, porque nos criastes para Vós e o nosso coração, vive inquieto, enquanto não repousa em vós” ( Santo agostinho, 1966 p 27). Estamos assistindo um grande crescimento e valoração da razão instrumental tecnológica e sistêmica, em detrimento da busca profunda de Deus, para dar sentido a vida. Tornou-se objeto de ambição humana o modelo de vida prático, econômico e vazio. O resultado disso é um ser humano vazio e sem Deus, hominizado como disse o especialista em religião Urbano Zilles (2010 p. 12): No campo do conhecimento, as modernas ciências experimentais transformaram totalmente nossa visão de mundo e conduziram ao comportamento racional perante a realidade. Permanece e prevalece o que resiste à critica nacional. A ciência e a técnica dão ao homem um suposto senhorio sobre as coisas para a sua manipulação e o planejamento racional. O resultado é um mundo hominizado e secularizado, despido do vestígio de Deus. Esse ethos (modo de vida) moderno destrói as relações sociais, individualiza e subjetiva Deus, relegando a nossa relação com Deus a se tornar cada vez menor ou até mesmo abolindo Deus. Entronizou-se a razão crítica como a norma fundamental da sociedade. O malogro desse projeto revela-se pelo fato de a razão fracassar na tarefa de criar uma sociedade humana, igual, fraterna, livre. Além do mais, ao afastar a religião da função estruturante e normativa da sociedade e entrega-la a subjetividade das pessoas, terminou por provocar um fenomenal surto de denominações e grupos religiosos. Em vez de uma grande religião, de um único universo simbólico tradicional ou de uma razão com pretensões religiosas, assistimos emergir de infinitas manifestações religiosas, novos movimentos religiosos, autônomos, independes, flexíveis, criativos em numero sempre maior. (Libânio 1995). O que vejo como extremamente negativo para a experiência humana com Deus, os frutos estamos colhendo, guerras, doenças, violência e outros. Nossas próximas gerações correm o perigo de não conhecer Deus, de não conhecer o sagrado, de experimentar algo superior a esta dimensão humana. Matando Deus, o ser humano fica vulnerável e suscetível a toda e qualquer ideia nova, não fundamentada e racionalizada pela sociedade de consumo. A metáfora da Águia e da Galinha ilustra bem os dois sentindo que damos a nosso vida e as diversas atitudes e ações que manifestamos. Para que possamos nos situar melhor vou contar a história das Águia e da Galinha para melhor ilustrar o pensamento.
Esta história foi contada por James Aggrey ativista político de Gana na África. Em 1925 James estava participando de uma reunião de lideranças populares que discutia como seria o processo de libertação do domínio inglês. Alguns queriam uma solução através da força e do conflito armado, outros através da organização política, outros por incrível que pareça, queriam permanecer como estavam, sob o domínio inglês. James em sua fala contou-lhes a história da águia e da galinha que passo a descrevê-la de forma resumida: Um camponês criou um filhote de águia junto com suas galinhas, tratando-a da mesma maneira que tratava as galinhas, de modo que ela pensasse que também era uma galinha. Dava a mesma comida jogada no chão, a mesma água num bebedouro rente ao solo, e fazendo-a ciscar para complementar a alimentação, como se fosse uma galinha. E a águia passou a se portar como se galinha fosse. Certo dia, passou por sua casa um naturalista, que vendo a águia ciscando no chão, foi falar com o camponês: – Isto não é uma galinha, é uma águia! O camponês retrucou: – Agora ela não é mais uma águia, agora ela é uma galinha! O naturalista disse: – Não, uma águia é sempre uma águia, vamos ver uma coisa. Levou-a para cima da casa do camponês e elevou-a nos braços e disse: – Voa, você é uma águia, assuma sua natureza! – Mas a águia não voou, e o camponês disse: – Eu não falei que ela agora era uma galinha! O naturalista disse: amanhã veremos. No dia seguinte, logo de manhã, eles subiram até o alto de uma montanha. O naturalista levantou a águia e disse: – Águia, veja este horizonte, veja o sol lá em cima, e o campo verde lá em baixo veja, todas estas nuvens podem ser suas. Desperte para sua natureza, e voe como águia que és. A águia começou a ver tudo aquilo, e foi ficando maravilhada com a beleza das coisas que nunca tinha visto, ficou um pouco confusa no inicio, sem entender o porquê tinha ficado tanto tempo alienada. Então ela sentiu seu sangue de águia correr nas veias, perfilou, devagar, suas asas e partiu num voo lindo, até que desapareceu no horizonte azul. Ao terminar James disse: “Somos todos filhos de Deus, criados a imagem e semelhança de Deus! Existem pessoas que nos fizeram pensar como galinhas, agir como galinhas, mas, nós somos efetivamente águias.” A história contada por James está intimamente ligada a cada um de nós, nas mais diversas situações que passamos durante a vida. E nos faz refletir sobre a busca de nossa autoestima, para as dificuldades e sofrimentos pelos quais estamos expostos, os quais muitas vezes nos colocam sobre forte ameaça psicológica. Como respondemos? Como águias? Ou como galinhas? Na maioria das vezes nosso pensamento está programado para responder como galinhas, estamos condicionados pelo sistema a limitações e a uma visão míope da vida. Somos treinados desde a mais tenra idade a utilizar o arquétipo galinha, não permitindo que emerja nossa potencialidade águia, que voa livre em direção ao céu, para cima, no alto. “Poderes mundial tem interesse em manter o ser humano na situação galinha. Querem apagar de nossas consciências a vocação de águia. Por isso a grande maioria da humanidade é homogeneizada nos gostos, nas ideias, no consumo, nos valores, conforme um só tipo de cultura(ocidental), de música (rock), de comida (fast food), de língua (inglês), de modo de produção (mercado capitalista), de desenvolvimento (material).”* A águia representa em nós a criatividade, a capacidade de romper barreiras realizando nossos sonhos, transcendendo toda limitação e fazendo-nos mais dinâmicos e abertos para novos horizontes. Os arquétipos evocam dentro de nós duas forças que sintetizam todo o sentido de nossa vivência como seres luminosos em uma dimensão terrestre. Precisamos unir os enraizamentos e a abertura, terra e céu, dia e noite, sol e lua, masculino e feminino e assim nos tornamos seres completos e plenos. Como imagem e semelhança de Deus, como inspiração do Criador, desde o nascimento somos impelidos por uma força interna, algo que está dentro do ser de cada um. Como que com o tempo e a busca se tornam como o sol a rasgar a escuridão da noite e clarificar todo o ser, a buscar uma visão maior do Cosmos que é Deus, e quando atingimos essa visão ela produz em nós um novo estado de consciência aumentando a dimensão de nossa percepção do divino. O Sol é o arquétipo que vem associado ao Sagrado e a harmonia de todas as energias psíquicas. Assim como o Sol atrai em órbita todos os planetas de seu sistema, assim somos atraídos para Deus e impelidos a uma experiência divina, encontrando o Numinoso, que é a ressonância do sagrado dentro de nós. É a experiência da presença de Deus no universo e em nosso ser. Quando estamos abertos a sentir essa experiência profunda com o numinoso, então, estamos despertando dentro de nós a águia, saindo da visão galinha para o estágio superior onde não aceitamos mais as indicações profanas do mundo, onde experimentamos o bem, o amor incondicional e a vontade de fazer o bem, não há mais lugar para o preconceito e nem tão pouco para o dogmatismo humano, não há lugar para falta de justiça porque percebemos a dimensão Deus-Homem dentro de cada um de nós e passamos a olhar o próximo como extensão terrena do amor de Deus. *Boff, Leonardo – A águia e galinha uma metáfora da condição humana, Editora Vozes |
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