A inclusão LGBTQIAPN+ é um assunto que primeiramente exige a aceitação e o respeito pelas diversas identidades de gênero e orientações sexuais. Importante saber que no que se trata da Bíblia, é preciso entender que é um texto antigo, e há que se compreender o contexto e a cultura da época, e ainda assim é possível múltiplas interpretações, muitas passagens são de difícil interpretação até mesmo para especialistas e pesquisadores, sobretudo as do antigo testamento. A Bíblia não menciona diretamente a comunidade LGBTQIAPN+, mas há passagens que podem ser interpretadas à luz das questões de gênero e sexualidade.
Os textos bíblicos focam à corporalidade do ser humano, sobretudo no livro da Gênesis. Somos criados “do pó da terra” (Gênesis 2.7) e o corpo, embora seja morada do Espírito Santo (1Cor 6:19), nunca transcende o material ou se torna espiritual, ao contrário precisa ser dominado e nossas sensações naturais precisam ser refreadas(leitura fundamentalista). O corpo faz parte de nossa identidade e é muito mais do que abrigo do espírito ou da alma. Faz parte do ser humano estabelecer uma conexão sadia com seu próprio corpo e com o meio ao seu redor. O sistema de crenças que possuímos registra sempre nossa memória religiosa mais basilar, ou seja, aquilo que prendemos desde criança na escola dominical ou nas aulas de religião da escola. É fácil se prender a uma só tradução e a forma como as palavras são colocadas são fundamentais para criar uma atmosfera fundamentalista, vejamos os textos de duas traduções: “E criou Deus o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.” (Gn. 1,27 tradução Almeida ACF) agora vejamos uma tradução mais atualizada: “Então Deus criou Adão, os seres humanos, como imagem divina, como imagem de Deus eles foram criados; masculino e feminino Ele, Ela, Deus os criou.” (Bíblia em língua adequada, 2006). Como muda a ideia final, como um texto mais antigo pode alterar totalmente nossa forma de pensar. Por muito tempo esse versículo da Bíblia foi interpretado como uma restrição normativa a dois sexos, em vez de uma descrição explicativa de duas características. A tradução redutora por “homem e mulher” (a expressão hebraica corresponde a: “[…] masculino e feminino Ele os criou”) promoveu na tradição da interpretação um foco que o conteúdo deste texto não consegue exprimir totalmente, nem objetiva nem linguisticamente. Pois a determinação do ser humano à imagem de Deus (Gênesis 1, 27a+b) é associada em um segundo momento com a explicação de que a espécie, ser humano foi criada “masculino e feminino” (Gênesis 1.27c). Por um lado, é preciso pensar nas primeiras especulações judaicas e rabínicas sobre a androginia do homem pré-histórico. Assim diz no Midrash Bereschit Rabba, do século V: “Quando o Santo, que é abençoado, criou o primeiro ser humano, ele o criou andrógino, pois está dito: masculino e feminino Ele os criou” (BerR 8.1). Por outro lado, pode-se pensar na distinção de uma “dupla” ou “criação dupla” do ser humano na teologia da Igreja do Oriente. Segundo Gregório de Nissa (c. 335-394), por exemplo, o ser humano foi criado primeiramente como um ser espiritual andrógino e só então em sua corporalidade e sexualidade. No ser humano andrógino, ainda não sexualmente diferenciado, é vista a imagem de Deus (Tratado sobre a estrutura do ser humano [De opifício hominis], cap. 16) ¹. É importante ressaltar que a leitura Bíblica de forma geral nas diversas denominações cristãs, possui uma abordagem fundamentalista na qual as pessoas confundem as leis bíblicas com as leis públicas, quando não se tentam criar leis publicas baseadas em códigos bíblicos antigos, o que pode e o que não pode e qual será a pena, sobretudo quando se usa partes isoladas trechos descontinuados sem analisar o contexto histórico, linguístico e cultural. Sabemos que toda a comunidade LGBTQIAPN+ sofre com preconceitos e violências, contudo, o Seminário da Igreja Segura realizado pelo SADD em 2023, levantou uma questão muito pertinente e que precisa de atenção, historicamente as pessoas pertencentes a letra T da sigla, que são travesti, transexuais e transgêneros são as que mais tem sofrido violências. Uma pesquisa revelou que só em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez que cometeram suicídio após sofrer violências ou devido à invisibilidade trans. O número de assassinatos aumentou 10,7%, em relação a 2022, quando houve 131 casos. Os dados são na 7ª edição do Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2023 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra). Seja em suas casas, no trabalho; quando conseguem trabalhos dignos, nas ruas ou em igrejas pessoas trans sofrem todo tipo de violência. Nas Igrejas quando muitas delas podem ou desejam frequentar um lugar de culto. São frequentes os casos de violência e assédio moral realizados por líderes religiosos e membros de igrejas cristãs contra essas pessoas, cicatrizes que ficam e são difíceis de curar, afastando-as ainda mais do ambiente religioso, que deveria ser seguro, acolhedor e terapêutico para esses irmãos e irmãs que chegam com tantas feridas. Para nós cristãos e cristãs bastaria apenas um olhar sob a ótica de Jesus, para entendermos que ele próprio não fez nenhuma distinção de pessoas. Os Evangelhos citam vários momentos pelos quais Jesus subverte a teologia culposa da antiga lei. O fato de comer com publicanos e pessoas consideradas “pecadoras", para a religião de Israel era um dos maiores escândalos (Lc. 5,29), ou quando ele se importa com paralíticos e leprosos (Lc. 17,13). Jesus não se preocupa com a teologia do Templo, ele revela o mais puro e verdadeiro da essência divina, o amor; todo o seu ministério está concentrado no cuidado e em levar dignidade as pessoas que a tinham perdido, devido ao preconceito da sociedade da época, hoje, não é diferente. Encontramos pessoas que se dizem seguidoras de Jesus, cheias de ódio e preconceito contra pessoas LGBTQIAPN+ contrariando a lógica do Reinado de Deus que diz: “O meu mandamento é este: Amem uns aos outros como eu os amei.” (João 15:12). Só isto já deveria bastar para que as pessoas parassem com toda agressão, ódio e falta de respeito. A grande questão que queremos abordar não é apenas tolerar, porque tolerar é muitas vezes aceitar “boca a abaixo” como se diz. É compreender colocar-se no lugar de tal, respeitar, sem julgamentos, exatamente como Jesus, amar sem reservas aprendendo a olhar o ser humano como imagem e semelhança de Deus. Essas pessoas precisam de melhor acolhimento se sentir pertencentes e amadas por Deus e pela comunidade. Dar maior visibilidade e espaço as pessoas trans, ouvir suas dores e conviver é uma das formas de incluí-las. Porque sabemos que o ser humano só consegue realmente entender, quando conhece, convive e compartilha as dificuldades, ou seja, ter empatia e amor coisas que tem se tornado cada vez mais raras ultimamente. O Reino de Deus é para todos e todas não há lugares marcados, Jesus não escolhe alguns entre a multidão, todas as pessoas são bem-vindas e todas são iguais para Deus "Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus."(Gálatas 3,28). Aliás essa passagem é um chamado das primeiras comunidades cristãs à igualdade e inclusão, transcendendo divisões sociais, culturais de gênero e sexualidade. A leitura e a interpretação dos textos bíblicos precisam indicar elementos que estimulem e conduzam a uma reflexão libertadora e incarnada, que combata a violência, a intolerância e o fundamentalismo praticado em nome de Deus. É preciso ler a bíblia iluminando os textos e buscando a verdadeira palavra de Deus que sempre é promotora da vida e fraternidade superando toda e qualquer forma de violência e discriminação. Evidentemente que tudo isto não é fácil para muitas pessoas presas a sofismas e doutrinarismo, que ainda necessitam de uma verdadeira conversão para entender que a única forma de seguir o caminho de Jesus é nos esvaziando de nossos julgamentos e preconceitos, como ele mesmo fez esvaziando-se de si mesmo e salvando a humanidade pela cruz, revelando a verdadeira plenitude que é amar incondicionalmente, sem nenhum tipo de reservas. Como Igreja de Deus, neste mundo de Deus, cabe a nós anunciar o evangelho que ilumina toda escuridão, transformando as estruturas, levando a verdadeira conversão aqueles e aquelas que ainda não conseguiram entender o que Cristo revelou. 1- Manual “Criado à imagem de Deus – Transexualidade na Igreja”, realizado pelo Grupo Justiça de Gênero da Igreja Evangélica em Hessen e Nassau, Alemanha. A Associação Kreuzweise-Miteinander e a Igreja Evangélica na Alemanha (Evangelische Kirche in Deutschland – EKD)
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